Quando se pensa nos desafios que o sistema de previdência complementar brasileiro enfrenta hoje, o crescente e rápido processo de envelhecimento da população, sem dúvidas, é um deles, mas no quadro atual também existem oportunidades que precisam ser melhor debatidas e entendidas por todos os atores do sistema.
Com esse intuito, Antônio Fernando Gazzoni, Diretor Presidente da GAMA Consultores Associados, abriu V Evento GAMA de Previdência Complementar – “Longevidade: Oportunidades e Desafios”, que aconteceu no último dia 20 em Brasília, e que este ano contou com a participação de mais de 230 pessoas, representando 84 organizações, incluindo pela primeira vez seguradoras e resseguradoras.
O primeiro painel debateu as oportunidades e desafios para a gestão dos fundos de pensão. O moderador Vitor Paulo Gonçalves, presidente do ICSS, destacou a responsabilidade que o sistema tem de pagar benefícios, após longo período de contribuições.
José Ribeiro Pena Neto, Diretor Presidente da ABRAPP e primeiro palestrante a realizar sua exposição no evento, apresentou os aspectos da longevidade no âmbito da gestão das EFPC sob três óticas: compromisso de cada vez mais longo prazo, necessidade de manter a confiança do sistema e gerenciamento das expectativas dos participantes e assistidos. O mesmo salientou que temos um “estoque” que precisa de atenção. O processo de transição demográfica é irreversível e estamos perdendo a oportunidade do chamado bônus demográfico. “Outros países aproveitaram esse momento em que a população economicamente ativa é maior que a população de idosos e nós estamos deixando passar a oportunidade, mas, ainda há tempo”, enfatizou Ribeiro.
O palestrante apresentou questões relevantes que podem afetar a renda no momento da aposentadoria, como baixos níveis de contribuição; expectativas elevadas dos participantes; estratégias de investimento inadequadas; falta de transparência na comunicação e o desafio de balancear as estratégias de longo e curto prazo.
E o que fazer para enfrentar os desafios? Nesse cenário, os fatores de risco ganham cada vez mais importância, os planos de benefícios precisam ser mais coesos e precisamos saber gerenciar os riscos, com foco na Supervisão Baseada em Risco. José Ribeiro adicionou que as soluções para o risco de longevidade não devem ser trabalhadas apenas no âmbito da previdência complementar fechada, é importante que autoridades dos segmentos de previdência e seguro se unam para que se possa criar uma condição favorável para se “dar proteção vitalícia a quem dela precisar”. Nesse sentido, é primordial ouvir as seguradoras e resseguradoras, órgãos de supervisão e as entidades.
Para finalizar, José Ribeiro destacou que a longevidade afeta todas as modalidades de plano e que os “remédios” é que tendem a ser diferentes. É hora de pensar na fase de fruição dos benefícios e não apenas na fase de capitalização. Esse é um trabalho a ser desenvolvido por todos os atores do sistema, e, para isso, é imprescindível uma Agenda Estratégica da Previdência Complementar.
No mesmo painel, o Diretor Superintendente da Previc, Carlos de Paula, apresentou uma importante reflexão sobre a longevidade: quanto mais se esperar por uma solução, mais complicada a situação pode ficar, ou seja, soluções mais fáceis estarão presentes quanto antes começarmos a nos preocupar com esse desafio. “As pessoas estão envelhecendo mais, estão vivendo mais… Têm uma expectativa de vida maior, mas esperam por uma qualidade de vida melhor”.
O expositor apresentou a realidade de redução do número de filhos no Brasil, o fato de possuirmos um sistema de previdência oficial generoso, que tem que passar por um processo de transição, os crescentes custos da população acima de 60 anos, especialmente com gastos com saúde, a forte transição da expectativa de vida, refletida nas tábuas de mortalidade e o fato de um grande número de empregados de empresas patrocinadoras não possuírem plano.
Carlos de Paula lembrou da importância de buscarmos modelagens de planos capazes de mitigar o risco de frustração de expectativas, especialmente para o caso dos planos de contribuição definida, da necessidade de desenvolvimento de novos veículos financeiros no âmbito do mercado de capitais (como por exemplo mercado secundário para operações estruturadas), da evolução do arcabouço legal e regulatório e da dinamização do nosso ambiente com as seguradoras. Destacou, também, que a previdência complementar deve se preocupar e voltar seus olhos para as novas políticas de RH das empresas, bem como para as expectativas das gerações “y” e “z”, e o desenvolvimento econômico do país, pois estes fatores são fundamentais para a evolução e fortalecimento do sistema brasileiro de previdência complementar. Neste cenário, a questão da educação previdenciária e simplificação da comunicação com os participantes e assistidos também têm grande importância.
O segundo painel do evento, mediado por Devanir da Silva, Superintendente Geral da ABRAPP, teve como tema: “Como políticas de estado podem minimizar os impactos da longevidade? Nesse painel, o Secretário de Políticas de Previdência Complementar, Jaime Mariz, apresentou o panorama demográfico que demonstra que o Brasil sofre um processo de envelhecimento da população crescente, que ocorre bem mais rápido que outros países.
Uma das importantes reflexões apresentadas por Jaime Mariz foi a de que “é hora de consertar o telhado antes que a chuva chegue”, ou seja “temos que nos preparar para depois não chorar”. Destacou, ainda, que é responsabilidade de todos os atores travar esse debate e não apenas do estado.
Jaime Mariz também comentou que a legislação previdenciária, no âmbito da previdência complementar, deve se adequar às alterações demográficas e que um importante passo foi dado com a aprovação da Resolução CNPC nº 17, de 30 de março de 2015, acerca do compartilhamento de risco, uma vez que a contratação de seguro para cobrir o risco de sobrevivência pode ser uma boa alternativa para garantir a solvência dos planos de benefícios.
Por outro lado, na previdência social, o Brasil apresenta gastos desproporcionais com pensões comparativamente a outros países, especialmente aqueles com população de pessoas acima de 65 anos muito maiores que a nossa. Essa realidade foi um dos motivos para a edição da MP 664/14, transformada na Lei 13.135/15, que pode ser vista como um avanço para tratar a questão dos gastos previdenciários. Contudo, na visão do palestrante, é inadiável no Brasil enfrentarmos também o debate para idade mínima de aposentadoria.
Jaime Mariz ainda realçou que uma mudança da previdência do servidor público é uma solução para equacionar as contas públicas. Atualmente, os Regimes Próprios internalizam todos os riscos, portanto, o compartilhamento de riscos deve ser discutido também nessa esfera.
Outro expositor do segundo painel foi Nilton Molina, membro titular do CNPC. Durante o V EGPC, Molina apresentou os prognósticos atuariais históricos que demonstram que estamos vivendo muito mais do que o estimado.
Ao analisar o custo atual da seguridade social em relação ao PIB, temos observado que a longevidade gera impactos sociais e econômicos. Contudo, a ação política do estado no combate a esses impactos será sempre um reflexo dos sentimentos da sociedade, portanto, uma solução efetiva para os desafios da longevidade passa pelo fato de que “a sociedade precisa aceitar um novo sistema de previdência social que assuma a longevidade e requalifica o idoso para o trabalho”. Será que todos estamos prontos para isso?
Na mesma esteira, precisamos criar formas de fomento da previdência complementar no âmbito das patrocinadoras privadas e o primeiro passo é buscar entender as empresas, especialmente as pequenas e médias. É importante, também, entender o jovem moderno, de modo que a previdência complementar possa se voltar para as novas políticas de RH das empresas e iniciar uma discussão acerca da necessidade de uma reforma tributária das contribuições e benefícios dos planos previdenciários.
O terceiro painel teve como título “Como gerir a longevidade? ” O palestrante internacional deste ano, Pietro Millossovich, que é professor sênior na Faculdade de Ciências Atuariais e Seguros na Cass Business School, University City (Londres), apresentou um importante questionamento: “Há um limite para a expectativa de vida? ” Alguns demógrafos acreditam que a resposta é sim, e que os ganhos na mortalidade irão eventualmente diminuir, mas estudos realizados demonstram que não há evidências de que o aumento da longevidade tenha um limite, portanto, não devemos nos apegar a isso, e atitudes devem ser tomadas imediatamente, para que o benefício do aumento da expectativa de vida não se torne um problema.
A longevidade é um fator positivo para os indivíduos, mas é um fenômeno complicado. Muitas entidades expostas ao risco de longevidade não têm consciência dos riscos a que estão sujeitas.
A experiência internacional mostra que o resseguro tem sido a ferramenta tradicional para a transferência do risco de longevidade, mas geralmente é caro. É preciso tentar inserir soluções alternativas para transferência do risco.
No mercado do Reino Unido, swaps, buy-in e buy-out têm sido utilizados como solução para a transferência do risco de longevidade. O expositor comentou que a medida buy-out é cara, uma vez que o fundo de pensão transfere o ativo e o passivo para uma seguradora. Na visão dele, é uma medida extrema e que para ser adotada no Brasil necessita da alteração da legislação em vigor. A medida buy-in, consiste na transferência do passivo para uma seguradora, enquanto que esta repassa o dinheiro para o plano fazer os pagamentos. De acordo com Pietro, é uma medida parcial, menos extremista, e que pode ser modelada conforme a necessidade do plano. Já os swaps são soluções mais leves, que consistem na compra de um seguro através de uma seguradora, que visa suportar o excesso da longevidade. O plano de benefícios paga para a seguradora uma taxa fixa, conforme contrato, e recebe o valor para pagamento dos benefícios de acordo com o que precisa para tanto.
O palestrante Silvio Rangel, diretor superintendente da FIBRA, comentou que gerir a longevidade é praticamente uma missão impossível, pois significa gerir os efeitos do risco de variação da longevidade (risco aleatório). Silvio citou três riscos inerentes à longevidade: risco de modelagem, risco idiossincrático, randômico e o risco de tendência (aspectos socioeconômicos e de saúde que aumentam).
O expositor colocou em debate questões como: Como fica a cobertura da longevidade, no caso de uma obrigação legislativa de alteração de tábua de mortalidade? A análise estatística de toda a massa é suficiente para verificar a longevidade do grupo? Não deveríamos fazer a análise da renda na verificação da aderência de hipóteses? Uma das certezas dessas respostas é que a opinião do atuário é necessária para a determinação das hipóteses de mortalidade.
Na última palestra do dia, Mario di Croce – Vice-Presidente Executivo do IRB Brasil Re, abordou as soluções que podem ser trazidas ao mercado diante da Resolução CNPC nº 17/2013 e disse que é importante saber até que ponto os fundos de pensão estão dispostos a transferir o risco ou assumi-lo. Destacou que as autarquias precisam conversar e definir os próximos passos, funções e responsabilidades. Neste ponto, o mediador do painel, José Roberto, Diretor de Análise Técnica da Previc, informou que, em conjunto com a SUSEP, o órgão fiscalizador das entidades fechadas está trabalhando em uma instrução que possa trazer esclarecimentos e orientação para aplicação da referida resolução.
Di Croce apresentou alguns produtos que estão sendo estudados no mercado, como possíveis soluções para o deságio da longevidade:
- Renda Vitalícia Complementar: voltada para planos CD’s, que visa a complementação vitalícia, em que não há transferência de passivo ou ativo. Trata-se de um plano coletivo, como se fosse estruturado na modalidade BD, no qual a elegibilidade é o fim do período de pagamento da renda pelo fundo de pensão, a renda mensal vitalícia é pagável aos assistidos sobreviventes após o período determinado e a contração é via EFPC. O produto não é passível de resgate ou portabilidade.
- Stop Loss: O produto, que é voltado para planos CV ou BD, depende de análise caso a caso e a modelagem é parecida com um seguro de carro, ou seja, o fundo trava a perda que pretende aceitar com desvio de hipóteses (espécie de franquia) e o restante repassa para seguradora/resseguradora, que fará o pagamento de indenizações se os desvios de hipóteses superarem o esperado.
- Swap de longevidade: define-se o fluxo de pagamento de benefícios do plano, e o que se gasta a mais no fluxo com longevidade, aciona a seguradora que cobrirá a despesa.
O expositor finalizou sua exposição apresentando algumas questões regulatórias importantes: quanto a relação jurídica da operação, esta é dada por participante/EFPC e EFPC/seguradora ou resseguradora. Enfatizou, também, que não há transferências de reservas, bem como não há transferência de participantes/assistidos.
As apresentações realizadas pelos palestrantes estão disponíveis no site do evento: egpc.com.br/palestrantes
Muito interessante a abordagem do tema. O texto sintetizou muito bem a questão e abriu espaço para reflexões.
Ótima exposição.
Túlio, obrigada pela leitura e comentário! De fato, o tema oferece espaço para importantes reflexões. Abraços, Mariana