Regime próprio que alcançar grau máximo de boas práticas será classificado como profissional e poderá assumir maiores riscos
Após quatro anos de maturação no Ministério da Previdência, o projeto de certificação dos regimes próprios entrou em vigor em maio, sob a Portaria 185, que instituiu o Programa Pró-Gestão. Com quatro níveis de aderência, a certificação permitirá que um instituto seja classificado como investidor qualificado ou profissional. O objetivo principal, porém, esclarece o diretor do departamento de RPPS Narlon Gutierre Nogueira, é o de profissionalizar a gestão de recursos da previdência municipal e estadual, e não o de garantir diversificação aos investimentos dos entes.
Isso porque o grupo de RPPS que serão classificados como investidor profissional deve ser pequeno, visto que são poucos aqueles que poderiam conquistar o nível quatro da certificação. Além da certificação, o ministério deverá exigir outros critérios para a classificação dos institutos, como o tamanho do regime próprio, o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) administrativo (e não o judicial), e o histórico de aderência às normas de investimento do Conselho Monetário Nacional (CMN), a 3922.
De acordo com Nogueira, ainda não está estabelecido o volume mínimo de recursos que o RPPS deverá possuir para ser considerado investidor profissional. A princípio, a pasta trabalha com a estimativa de R$ 1 bilhão como patamar mínimo, e certificação nível máximo (4). De acordo com levantamento feito com dados do Sistema de Informações dos Regimes Públicos de Previdência Social (Cadprev), apenas 17 institutos são de grande porte, dos quais 11 são estaduais. O ministério também não bateu o martelo sobre qual será a certificação mínima exigida de um RPPS para que seja classificado como investidor qualificado.
A adesão ao Pró-Gestão não é obrigatória. “A certificação não é um fim, é um meio de demonstrar que o regime próprio está preocupado em elevar o grau de profissionalização da sua gestão e da qualificação dos seus gestores”, destaca o diretor.
De acordo com Nogueira, a certificação será uma forma de gerar uma competição saudável no sistema de regimes próprios. “Se o RPPS do município vizinho conseguisse a certificação e o meu não, com certeza haveria uma pressão por parte do governo estadual. A própria prefeitura passaria a cobrar mais eficiência do seu instituto de previdência. Além disso, os municípios que não têm o CRP administrativo terão um motivo extra agora para buscar a regularização”, destaca.
Segundo levantamento do ministério, apenas 53% dos entes possuem CRP administrativo. Ao todo, 11% possuem o CRP judicial, obtidos apenas por conta de liminares na Justiça. Os demais 36% não possuem CRP. A certificação do Pró-Gestão, portanto, poderá ser pleiteada por 1096 RPPS – pouco mais da metade do total.
Consulta pública – Os critérios que pautarão a escolha de uma entidade certificadora serão estipulados após uma consulta pública com o mercado, a ser aberta no segundo semestre deste ano. Por conta disso, a expectativa do ministério é que a certificação entre em vigor, de fato, apenas em 2017. A cartilha com os detalhes dos critérios exigidos para cada nível de aderência deverá ser divulgada ainda este ano, para que os RPPS possam se preparar desde já.
A nova classificação dos investidores, definidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), passará a valer já em julho deste ano. Enquanto a certificação dos RPPS não estiver valendo, o ministério irá considerar apenas os critérios de tamanho, CRP e aderência às normas de investimento para definir quais RPPS poderão usufruir de nomenclatura diferenciada.
“Não cabe ao ministério a atividade de certificação. Achamos melhor conveniar uma empresa do mercado, nos moldes da ISO. A audiência pública será importante para dar mais transparência ao processo e garantir que nenhuma ‘aventureira’ faça parte da seleção”, afirma Gustavo Barbosa, presidente do Rioprevidência e um dos pioneiros do projeto de certificação. O instituto possui atualmente R$ 58,5 bilhões de ativos sob gestão.
“Nós, dirigentes do Rioprevidência, levamos a proposta de certificação ao Ministério em 2011, pois acreditávamos que o crescimento dos RPPS no país não se daria pelo aumento do número de entidades, mas sim pelo fortalecimento das já existentes”, conta Barbosa. O projeto, entretanto, só deslanchou no ano passado, após Benedito Brunca assumir a Secretaria de Políticas de Previdência Social (SPPC), em abril de 2014.
Na ocasião, foi instituído um grupo de trabalho, no âmbito do Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social (Conaprev), com membros de sete RPPS, escolhidos, segundo Nogueira, pelo “visível comprometimento com a adoção de processos de governança dentro de suas entidades”. Além do Rioprevidência, fazem parte do grupo os institutos de Vitória (ES), Curitiba (PR), Distrito Federal, Cabedelo (PB), Indaiatuba (SP) e Concórdia (SC). “A ideia era incluir representantes de RPPS de diferentes portes e regiões, para tornar o processo mais democrático possível”, complementa o diretor de regimes próprios do ministério.
O grupo se reuniu quatro vezes para formatar o texto que serviria de base para a Portaria 185 e para uma “cartilha” que será ainda divulgada, detalhando os critérios que deverão ser observados em cada nível de certificação. A primeira vez foi por videoconferência, em setembro de 2014. A segunda, em Brasília, em outubro. Outro encontro foi promovido em Indaiatuba, em novembro, e o último ocorreu no Rio de Janeiro, em maio deste ano. Após essa reunião, o texto foi apresentado no Conaprev e, no dia 15 de maio, assinado por Brunca em Brasília.
Barbosa, do Rioprevidência, conta que o primeiro “rascunho”, apresentado pelo instituto em 2011, era um pouco mais rígido, com apenas três níveis de certificação. Entretanto, as discussões do grupo chegaram a um modelo “ideal”. “A conquista de certificados demonstra que o RPPS tem conhecimento e estrutura para alocar recursos de forma mais sofisticada. Isso porque conquistar um bom nível de aderência implica, necessariamente, que ele conhece bem o seu passivo, tem um fluxo de caixa saudável, faz um avaliação atuarial bem feita, possui controles internos, programas de educação previdenciária e transparência de gestão”, analisa.
Outro ponto importante, na opinião de Barbosa, é que o programa garante perenidade das ações desenvolvidas pela equipe gestora do RPPS, blindando o instituto do “fator eleitoral”, que mexe com a sua administração a cada quatro anos. “A certificação foca em processos, e não em profissionais. Desta forma, se o presidente deixa o RPPS isso não impactará a forma como o instituto trabalha com a governança corporativa, o controle interno e o programa de educação previdenciária”, destaca.
Autorregulação – Segundo Roberto Moisés, que trabalhava no Rioprevidência antes de ter assumido, este ano, a presidência do Iprev-DF, o primeiro esboço do projeto nasceu com a meta de avançar nas discussões de autorregulação dos RPPS. “A autorregulação não vingou, mas a proposta se tornou o centro da discussão em torno da modernização da gestão dos institutos”, lembra. “No começo, a proposta era muito mais agressiva. Mas começamos a flexibilizar alguns pontos para que todos os institutos tivessem condições de conquistar um bom nível de certificação”, complementa.
Moisés reconhece, contudo, que será bem difícil que se consiga atender a 100% dos quesitos e conquistar nível 4. “Acho que no começo é importante que os critérios sejam mais restritivos. Só quem estiver de fato preparado é que deve diversificar alocações. Cada RPPS deve buscar subir um degrau na escadinha de forma gradual e planejada, de acordo com as suas reais capacidades de evolução”, afirma. De qualquer forma, o nível 1, considerado “básico” pelo presidente do Iprev-DF, é praticamente “mandatário”, independentemente do porte do instituto. “O nível 1 é o mínimo que um RPPS precisa fazer para operar bem. Não há desculpas para não alcançar esse grau”, defende.
Tanto Barbosa quanto Moisés descartam a possibilidade de que os RPPS que presidem consigam certificação de nível 4 logo no começo. “Nível um somos, com certeza. Já estamos promovendo ajustes para conquistar pelo menos o nível dois assim que a certificação entrar em vigor”, diz Moisés. O Iprev-DF possui atualmente R$ 3 bilhões de ativos sob gestão.
Wilson Mokva, presidente do IPMC, de Curitiba, concorda que nem todos conseguirão atingir, no começo, níveis tão elevados de certificação. “Há municípios com menos de mil funcionários públicos e dois gestores no instituto de previdência. Não há necessidade de arrojar investimentos. A realidade do país é essa. A minoria dos RPPS tem, de fato, bastante volume para investir”, comenta. O IPMC acumula R$ 1,67 bilhão de patrimônio, mas 98% é destinado a ativos de renda fixa. “Não temos um perfil arrojado, até porque não achamos que o momento atual da economia motiva diversificação. Mas esta é uma meta que buscamos no longo prazo e queremos estar bem posicionados no âmbito da certificação”, afirma.
O documento que detalha os quesitos necessários para conquistar cada grau de certificação ainda não foi divulgado, mas Mokva, que participou das reuniões do grupo de trabalho, adianta que o IPMC está bastante avançado em alguns pontos, mas que precisa desenvolver melhor alguns outros. Um exemplo disso é o comitê de investimentos. “Temos os 10 membros do comitê de investimentos com CPA-10. Para conquistar nível 4 no Pró-Gestão, só metade precisaria ter esse certificado. Nisso, estamos melhores que a regra”, destaca Mokva. Entretanto, em questões relacionadas à educação previdenciária, o instituto ainda precisa desenvolver algumas ações. “Acho que, de forma geral, seríamos nível 2 tranquilamente. Mas estamos trabalhando para atingir o nível 3”, complementa.
Léa Praxedes, presidente do Ipsemc, de Cabedelo, ressalta que há ainda muita resistência a mudanças no setor. “Mas a gestão de um RPPS demanda uma visão mais estratégica. Mesmo diante de todos os obstáculos, tenho certeza que essa certificação promoverá uma revolução no setor”, destaca. O instituto, que possui R$ 84,6 milhões em ativos sob gestão, ainda não tem previsão de qual seria o seu nível de certificação.
Critérios de avaliação para a certificação
Para alcançar algum nível de certificação, o RPPS deverá obedecer a uma série de critérios, divididos em três vertentes: governança corporativa, controles internos e educação previdenciária. A certificação terá validade por três anos, período pelo qual o RPPS passará por um acompanhamento pela entidade certificadora. Caso o instituto perca o CRP administrativo, ele ficará também sem o certificado do Pró-Gestão.
No âmbito dos controles internos, o instituto deverá possuir, por exemplo, gestores e servidores da área de risco certificados, uma política de segurança de informação e estrutura de gestão adequada da base de dados cadastrais de servidores.
Já na área de governança corporativa, os critérios avaliados serão a qualidade de relatórios de planejamento e gestão atuarial, política e comitê de investimentos, qualificação dos órgãos de direção, do conselho fiscal e de administração, e desenvolvimento de políticas de mandato, representação e recondução.
Em educação previdenciária, a entidade certificadora avaliará tanto a existência de um plano de capacitação de profissionais da área técnica quanto de um programa de educação financeira para os segurados.
“A certificação permite aos RPPS conhecerem e aplicarem práticas de gestão e governança não muito comuns na área pública e na área de previdência, possibilitando maior controle de suas ações e recursos e trazendo o segurado para mais perto dos institutos. A consequência disso é o fortalecimento e crescimento dos RPPS”, analisa Antonio Corrêa, superintendente do Seprev, de Indaiatuba. O instituto encerrou o segundo bimestre do ano com R$ 750,4 milhões em patrimônio.
Fonte: Investidor Institucional. As matérias publicadas compreendem as áreas de Consultoria Atuarial, Previdência Complementar e/ou Planos de Saúde, sendo de responsabilidade de seus autores e não refletindo, necessariamente, a opinião da GAMA Consultores Associados.