“Distinção entre desaposentação e a atual possibilidade dos segurados do RGPS obterem uma aposentadoria mais digna”
Em 26/10/2016 o Supremo Tribunal Federal por 7 votos a 4 julgou improcedente a possibilidade do aposentado incluir em sua aposentadoria as contribuições vertidas ao INSS após sua aposentação. A decisão contraria frontalmente o caráter contributivo-retributivo do sistema da reciprocidade, onde uma contribuição deve reverter em retribuição, e também as decisões do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais do Brasil, favoráveis ao direito.
Porém existem aposentados que após sua aposentadoria contribuíram e possuem direito a uma nova aposentadoria, diferente da atual, não se tratando de acumulação e sim renúncia da atual com a concessão de uma nova de espécie diferente, chamamos este instituto de “transformação de aposentadoria”, tese ensinada pelo Mestre Hermes Arrais Alencar em sua brilhante obra “O Instituto da Transformação de Benefícios Previdenciários do RGPS” (Ed. Conceito).
Na “transformação de aposentadoria” o aposentado não requer a somatória dos tempos de contribuição e sim que desconsidere em sua aposentadoria o período anterior pago ao INSS, completamente diferente da desaposentação. Ele atingiu os requisitos para uma aposentadoria diferente da atual e não a contagem concomitante dos períodos como é na desaposentação.
Cito um exemplo para melhor compreensão do tema: Um homem com 35 anos de contribuição e 65 de idade, aposentado por tempo de contribuição, que contribuiu mais 10 anos após sua aposentadoria requer que em seu benefício sejam somados os anos pagos após aposentar-se, com um total de 45 anos de contribuição e um fator previdenciário superior a 1,00 (em razão da idade e tempo de contribuição). Neste caso estamos requerendo sua desaposentação, pois o pedido se faz com o aproveitamento do tempo total contribuído para gerar sua nova aposentadoria. Neste mesmo caso, se o segurado tivesse contribuído ao invés de 10 por 15 anos, apenas com o período contribuído após sua aposentadoria ele já preencheria os requisitos de uma nova aposentadoria por idade (mais de 65 anos de idade e 180 contribuições), sem qualquer vínculo com a anterior. Como não poderia acumular aposentadorias ele irá renunciar a sua anterior e requerer a nova.
Podemos citar também no exemplo anterior o aposentado que após 10 anos de contribuição após aposentar-se se torna totalmente inválido para o trabalho e necessita de cuidador permanentemente, o que lhe impede de renunciar a aposentadoria atual para obter o benefício de aposentadoria por invalidez com a majoração de 25%? Todos os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por invalidez estão preenchidos após sua aposentação, sem considerar a anterior aposentadoria a ser renunciada.
É assunto pacificado no Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de renunciar sua aposentadoria, por ser um direito patrimonial disponível, podendo o aposentado requerer judicialmente a renúncia do benefício atual e em ato contínuo o requerimento de seu novo benefício, que não possui qualquer vínculo com o anterior. Vale destacar que nesta nova ação encontramos advogados que preferem utilizar-se do termo “retratação” e não “renúncia” para a desaposentação, onde o ato de desfazer-se do benefício atual significa a retirada ou supressão da declaração feita, que o indivíduo faz por sua livre e espontânea vontade.
Ressalto que em razão de entender os efeitos como ‘ex nunc”(não retroagem), o caráter alimentar do benefício, direito adquirido aos recebimentos e boa-fé do segurado o Superior Tribunal de Justiça também é contrário à devolução de valores recebidos pelo aposentado em casos de renúncia. O aposentado pode dispor de seu benefício e obter um novo, diferente do atual, sem devolver qualquer valor recebido ao INSS.
Na transformação de aposentadoria o segurado se tornará um ex-aposentado e no mesmo ato após sua renúncia, como já custeou e atingiu os requisitos legais para concessão, possa desfrutar do direito a obter sua nova aposentadoria, diferente da anterior e sem qualquer utilização de tempo contribuído na mesma.
A desaposentação em sua maior parte dos casos buscava a troca de benefício proporcional em integral, seja pelo coeficiente (aposentadorias concedidas de forma proporcional pelo tempo de contribuição) ou em razão do fator previdenciário inferior a 1,00. Na transformação existe a desconsideração total da aposentadoria anterior, sem qualquer utilização da mesma, onde a renúncia se dá não apenas do benefício como também de seus requisitos legais para a concessão.
De forma muito prática: na desaposentação você pede “some a minha atual aposentadoria o período que fiz contribuições após a concessão, gerando com isso um novo cálculo e um benefício maior que o atual”, alguns até mesmo entendiam erroneamente o instituto como revisão. Na transformação o pedido é “não quero mais nada da atual aposentadoria, nem os recebimentos e nem o custeio realizado, e quero um novo benefício de modalidade diferente do atual, onde nenhuma das minhas contribuições foram utilizadas na concessão da aposentadoria que estou renunciando”.
A própria Autarquia previdenciária aplica de forma administrativa a transformação de benefício, como nos casos de auxílio-doença que se transformam em aposentadoria por invalidez, aposentadorias por invalidez que se transformam em aposentadorias por idade quando satisfeito o requisito etário e carência… A própria modificação administrativa do auxílio-doença em auxílio-acidente é caso de transformação.
Concluímos que a transformação de benefício se difere completamente da desaposentação, pois na primeira existe a renúncia da atual e com isso a posterior concessão de um novo benefício sem qualquer utilização do anterior, pois o período pós-aposentadoria por si só já preenche os requisitos legais para sua concessão. Na desaposentação existe o pedido de retratação da atual, porém com a utilização ainda da mesma ocorra a concessão de um novo benefício, que some a atual com a posterior.
Recentemente ajuizamos ação de transformação para uma segurada com mais 60 anos, onde o período contribuído após sua aposentadoria foi superior a 180 contribuições, onde estes pagamentos por si só já lhe garantiam a concessão de uma aposentadoria por idade, desconsiderando completamente os pagamentos da aposentadoria anterior, ou seja, ela já havia custado e preenchido os requisitos legais para a concessão de duas aposentadorias distintas (porém não poderia acumular as duas). O processo lhe garantiu a renúncia da anterior por tempo de contribuição e a concessão de aposentadoria por idade com valor cerca de 4 vezes superior ao anterior. A ação teve procedência na Justiça Federal da Capital – SP e mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Segue abaixo a justa decisão de 1ª instância, mantida pelo TRF3:
“Vistos em sentença. XXX, devidamente qualificado, ajuizou a presente ação contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), pretendendo a RENUNCIA do seu benefício previdenciário NB 42/XXX DIB/DIP 27/11/1969, posterior averbação de períodos laborados após 27/11/1969, e concessão de nova aposentadoria por idade.
Requer, ainda, o pagamento dos atrasados com juros e correção monetária. A inicial foi instruída com os documentos de fls. 10-49. Observa-se que, inicialmente, houve o declínio de competência em razão do lugar. Contudo, o Tribunal Regional Federal desta 3ª Região, deu provimento ao agravante para determinar o prosseguimento do feito nesta Vara Previdenciária (fls. 50-64). Em decisão às fls. 65-67/verso, foi deferida antecipação dos efeitos da tutela, o que foi cumprida pelo INSS com a implantação do benefício NB 41/XXXXX. Citado o INSS apresentou contestação às fls. 77-108, sustentando a improcedência do pedido. Réplica às fls. 115-123. Vieram os autos conclusos para julgamento nos termo do art. 330, I, CPC.
É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Primeiramente, algumas considerações merecem. O pedido inicial, não se cuida exatamente de uma desaposentação nos moldes quem tem invadido as diversas instâncias judiciárias. Ou seja, não se trata aqui de um pedido renúncia ao ato administrativo já constituído e consolidado; mas de uma novo pedido de aposentadoria a partir da averbação tão somente, destaque-se, dos períodos laborados posteriormente à concessão daquele primeiro benefício. Ou seja, independentemente do tempo de contribuição que compôs a CTC da concessão daquele benefício anterior, aqui o que se pretende e a contagem da contribuição posterior para, possivelmente, cumprir os requisitos de um novo benefício. A renúncia aqui será à cobertura previdenciária concedida, com a obtenção de outra, mais vantajosa e totalmente distinta da anterior. Não há, nesse caso, uma soma entre as contribuições anteriores e posteriores à primeira aposentaria.
Conforme raciocínio delineado na decisão de antecipação da tutela”perfeitamente possível a concessão do benefício de aposentadoria por idade, com renúncia à aposentadoria por tempo de contribuição, caso o segurado cumpra os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade com as contribuições vertidas no período posterior à concessão da primeira aposentadoria. Isso porque não se caracterizaria como desaposentação, para cômputo do mesmo período contributivo, mas de outro que se formou em data posterior, caracterizando o direito ao benefício mais benéfico ao segurado”. (grifei)
Nesse sentido tem decido o TRF desta 3ª Região, que ora repito: APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010909-45.2009.4.03.6183/SP (2009.61.83.010909-6/SP) RELATORA: Desembargadora Federal MARISA SANTOS – D. O. E. 12/4/2012. EMENTA: PREVIDENCIÁRIO- DESAPOSENTAÇÃO- PEDIDOS ALTERNATIVOS- JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 285-A DO CPC– POSSIBILIDADE- ART. 18, 2º, DA LEI N. 8.213/91 – ALEGAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE REJEITADA- APROVETIAMENTO DO PERÍODO CONTRIBUTIVO POSTERIOR À APOSENTADORIA PARA ELEVAR O VALOR DO BENEFÍCIO- IMPOSSIBILIDADE- RENÚNCIA Á APOSENTADORIA PROPORCIONAL- APROVEITAMENTO APENAS DO PERÍODO CONTRIBUTIVO POSTERIOR À APOSENTADORIA PROPORCIONAL PARA FINS DE APOSENTADORIA POR IDADE- CARÊNCIA CUMPRIDA- APOSENTADORIA POR IDADE CONCEDIDA.
1- Embora o pedido inicial seja parcialmente diferente dos que comumente requerem a desaposentação, a sentença foi assentada no fundamento da impossibilidade de desaposentação nas hipóteses em que não se cogita de contagem recíproca de tempo de contribuição. Possível o julgamento na forma do art , 285-A do CPC.2-O autor juntou à inicial a simulação do cálculo do benefício considerando os pedidos alternativos, o que torna dispensável a produção de outras provas.3- Os arts. 194 e 195 da Constituição, desde sua redação original, comprovam a opção constitucional por um regime de previdência baseado na solidariedade, onde as contribuições são destinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais.4- O art. 18 da Lei 8213/91, mesmo nas redações anteriores, sempre proibiu a concessão de qualquer outro benefício que não aqueles que expressamente relaciona. O 2º proíbe a concessão de benefício ao aposentado que permanecer em atividade sujeita ao RGPS ou a ele retornar, exceto salário-família e reabilitação profissional, quando empregado. Impossibilidade de utilização do período posterior à aposentadoria para elevar o valor da cobertura previdenciária já concedida.5- As contribuições pagas após a aposentação não se destinam a compor um fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema, sendo impróprio falar em desaposentação e aproveitamento de tais contribuições para obter benefício mais vantajoso.6- No primeiro pedido, o autor não pretende renunciar ao benefício que recebe, mas, sim, quer aproveitar o período contributivo posterior à concessão da aposentadoria proporcional para elevar o valor da renda mensal, o que fere o disposto no art. 18, 2º, da Lei 8213/91. Não se trata, nessa hipótese, de renúncia, mas, sim, de revisão do valor de benefício já concedido.7- No segundo pedido, o autor pretende renunciar à cobertura previdenciária que recebe por ter completado o tempo de serviço necessário à aposentadoria proporcional. E requer nova aposentadoria, desta vez por ter completado a idade e a carência, considerando apenas o tempo de contribuição posterior à primeira aposentação. O pedido, agora, não é de revisão, uma vez que nada se aproveitará do tempo de serviço/contribuição utilizado para a concessão e cálculo da aposentadoria proporcional. Agora sim, trata-se de renúncia à cobertura previdenciária concedida, com a obtenção de outra, mais vantajosa e totalmente distinta da anterior. Não há, nesse pedido alternativo, violação a nenhum dos princípios constitucionais e legais que fundamentam o indeferimento do primeiro.8- O segurado recebeu a proteção previdenciária a que tinha direito quando lhe foi concedida a aposentadoria proporcional, porque cumprira a carência e o tempo de serviço necessários à concessão do benefício. Não pretende, agora, apenas a modificação do que já recebe, mas, sim, a concessão de outra cobertura previdenciária mais vantajosa, para a qual contribuiu depois de aposentado, tendo cumprido os requisitos de idade e carência.9- Trata-se de contingências geradoras de coberturas previdenciárias diversas – aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e aposentadoria por idade -, com base em períodos de carência e de contribuição totalmente diversos, onde os cálculos do novo benefício nada aproveitarão do benefício antigo, de modo que o regime previdenciário nenhum prejuízo sofrerá.10- A proibição de renúncia contida no art. 181-B do Decreto 3048/99 parte do pressuposto de que a aposentadoria é a proteção previdenciária máxima dada ao segurado, garantidora de sua subsistência com dignidade quando já não mais pode trabalhar, que poderia ser comprometida com a renúncia ao recebimento do benefício.11- Proteção previdenciária é direito social e, por isso, irrenunciável. O que não se admite é que o segurado renuncie e fique totalmente à mercê da sorte.12- No segundo pedido, o autor não pretende renunciar a toda e qualquer proteção previdenciária. Pretende obter outra que lhe é mais vantajosa, para a qual contribuiu depois de aposentado, chegando a cumprir os requisitos de carência e idade.13- Renúncia à aposentadoria atual admitida, para obtenção de aposentadoria por idade, uma vez que a carência e a idade foram cumpridas em período posterior à primeira aposentação.14- O autor completou 65 anos em 2005.15- Até a propositura da ação, o autor conta com 19 anos, 9 meses e 20 dias de tempo de contribuição, restando cumprida a carência para a aposentadoria por idade.16- Termo inicial fixado na data da citação (14.09.2010).17- A correção monetária das parcelas vencidas incide na forma das Súmulas 08 deste Tribunal, e 148 do STJ, bem como da Lei 6.899/81 e da legislação superveniente, descontando-se eventuais valores já pagos.18- Os juros moratórios são fixados em 0,5% ao mês, contados da citação, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC, até o dia anterior à vigência do novo CC (11.01.2003); em 1% ao mês a partir da vigência do novo CC, nos termos de seu art. 406 e do art. 161, 1º, do CTN; e, a partir da vigência da Lei 11.960/09 (29.06.2009), na mesma taxa aplicada aos depósitos da caderneta de poupança, conforme seu art. 5º, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97. As parcelas vencidas serão acrescidas de juros moratórios a partir da citação. As parcelas vencidas a partir da citação serão acrescidas de juros moratórios a partir dos respectivos vencimentos.19- Honorários advocatícios fixados em 10% das parcelas vencidas até a sentença, conforme Súmula 111 do STJ.20- INSS isento de custas.21- Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida. Isto posto, perfeitamente cabível que, analisando o caso concreto, seja possível a substituição de benefício já concedido por outro diferente e/ou mais vantajoso.
No caso concreto, conforme contagem de tempo em anexo, a autora permaneceu laborando na empresa XXXX de 01/12/1969 a 28/01/2013, completando um total de 518 contribuições e 90 anos de idade. Portanto, cumulando o número de contribuições superiores à necessária à concessão de aposentadoria por idade. Verificada a possibilidade de concessão do benefício pleiteado na inicial (aposentadoria por idade), de rigor seja confirmada a tutela antecipada, nos termos da decisão às fls. 65-67.
Dispositivo. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, ratificando a antecipação da tutela concedida nestes autos e CONDENO o INSS conceder o benefício de aposentadoria por idade à autora (AUTOR:XXX). CONDENO a parte ré ao pagamento do débito referente às parcelas em atraso do benefício aposentadoria por idade referentes ao período de 14/09/2010 (DIB) a 13/01/2015 (DDB), a ser apurado em liquidação de sentença. O valor apurado deverá ser atualizado desde a propositura da ação até a data do efetivo pagamento, acrescido de correção monetária e juros nos termos do art. 454 do Provimento 64 da Corregedoria-Regional da Justiça Federal, aplicando-se os critérios do Manual de Cálculos da Justiça Federal, do Conselho da Justiça Federal, vigente na data do cálculo, respeitada a prescrição quinquenal. Tendo em vista óbito verificado no PLENUS/CNIS, intime-se com urgência os herdeiros da autora para regularização e habilitação nestes autos. Pela sucumbência, o réu pagará os honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o montante da condenação, com incidência até a data da prolação desta sentença (Súmula nº 111 do STJ). Sem custas ex legis. Não havendo recurso, subam os autos para reexame necessário. PRI.”
Desta forma mostra-se completamente aceitável e justo o instituto da transformação de aposentadoria, sem qualquer vinculação com a desaposentação, data venia, injustamente negada pelo Supremo Tribunal Federal.
Fonte: Jusbrasil. As matérias publicadas compreendem as áreas de Consultoria Atuarial, Previdência Complementar e/ou Planos de Saúde, sendo de responsabilidade de seus autores e não refletindo, necessariamente, a opinião da Mecer GAMA.
Excelente e oportuno. Que se faça justiça ainda que tardia, morosa e onerosa.
Dê meus parabéns à equipe autora.
Wellington Gadelha Campelo